Por Valter Pomar
"Devaneios esquerdistas" é o título da coluna
assinada por Merval Pereira, no jornal O Globo de 28 de novembro de 2014.
O texto de Merval é reproduzido ao final deste comentário.
O simpático título faz referência a um abaixo-assinado
divulgado há poucos dias, intitulado "Em defesa do programa vitorioso nas
urnas".
O texto do abaixo-assinado pode ser lido aqui:
Segundo Merval, "as diversas facções em que se divide a esquerda brasileira
aliada ao governo petista estão atônitas com a chegada ao ministério do segundo
mandato de Dilma de Joaquim 'mãos de tesoura' Levy, que pretende, como anunciou
ontem em linguagem diplomática, colocar ordem na bagunça em que se encontra a
economia nacional".
Procurando
bem, sempre se pode achar alguém atônito. Mas a questão é muito simples: como
os dois mandatos do presidente Lula e como foi seu primeiro mandato, o segundo
mandato da presidenta Dilma será o de um governo em disputa.
Nas
eleições, impedimos o retrocesso que seria resultante de uma vitória de Aécio
Neves. Mas para conseguirmos um segundo mandato Dilma que seja superior ao
primeiro -- entendo por superior principalmente contribuir para a implementação
de reformas estruturais -- será preciso muito mais esforço.
Dada
a correlação de forças no Congresso, bem como dadas as debilidades da esquerda
política e social, para não falar dos constrangimentos objetivos derivados da
economia nacional e internacional, está claro que não existem condições para
fazermos o governo "ideal".
Agora, reconhecer a correlação de forças não é igual a
capitular frente ao inimigo.
Quem capitula, faz concessões que nos impedem de alterar
para melhor a correlação de forças.
Para evitar este tipo de situação, esperamos que governo
faça a parte que lhe cabe na democratização da comunicação, na reforma
política, na manutenção e progresso da vida material e cultural da classe
trabalhadora etc.
E para isto, não basta termos a presidenta Dilma; é
necessário que ela nomeie uma equipe que sinalize e contribua no sentido
indicado.
O abaixo-assinado significa que, do ponto de vista de uma
parte dos/das que apoiaram e elegeram a presidenta Dilma Rousseff, nomes como o
de Joaquim Levy e Kátia Abreu não correspondem ao que esperamos de seu segundo
mandato.
Na nossa opinião, Kátia Abreu é defensora de uma política
favorável ao agronegócio, política esta que vem desde 2003 e que precisa ser
alterada.
Também na nossa opinião, Joaquim Levy é partidário das
políticas gerenciadas por Palocci entre 2003 e 2005, políticas danosas então e
agora.
Portanto, quem assinou o abaixo-assinado, seja pelas
razões acima indicadas ou por outras, não está "atônito"; está apenas
fazendo um movimento contrário ao que é feito por Merval. Com a legitimidade de
quem lutou em favor de Dilma e contra o oligopólio a que Merval presta
obediência.
Segundo Merval, o que
"esse pessoal [do abaixo-assinado] "não quer enxergar, e que Dilma
foi obrigada a entender, é que a vitória eleitoral do PT em outubro não
correspondeu a uma vitória política, pois forjada à base do abuso da máquina
pública e mentiras, sejam as divulgadas pela propaganda eleitoral, ou as
espalhadas em diversas formas pelo país para amedrontar os menos
informados".
Para
quem não entendeu o raciocínio, Merval desenha assim: "Da mesma forma que Collor
espalhava em 1989 que Lula confiscaria a poupança dos brasileiros para depois
fazer ele mesmo o que criticava no adversário, também hoje estamos vendo o
governo Dilma anunciar 'medidas impopulares' que seriam a base do governo de
seu adversário 'neoliberal'."
Ou
seja: Merval apóia-se na nomeação de Levy para acusar Dilma e o PT de
estelionato eleitoral.
Contra
esta interpretação, vários porta-vozes de setores do PT ou do governo já
disseram o óbvio: que é a presidenta quem decide e que a decisão da presidenta
é manter o desenvolvimento com bem-estar social.
É bom que isto seja dito, mas se é assim, por qual motivo
era necessário nomear especificamente Levy? Afinal, dentre os eleitores e
apoiadores de Dilma há vários empresários e economistas, inclusive gente
conservadora e comprometida com o rigor fiscal.
A escolha de Levy, entre seus muitos defeitos, tem este:
abre espaço para que digam que "a
presidente Dilma viu-se obrigada a dar um salto triplo carpado para tentar
recuperar a credibilidade".
Se
ficasse só nisto, não seria um grande problema (especialmente se o PT tivesse
um jornal para afirmar outro ponto de vista).
Ocorre
que a oposição de direita irá muito além das piadinhas: fará de tudo para tentar converter
Levy num "super-ministro", autônomo em relação à presidenta da
República.
A
mesma operação foi feita entre 2003 e 2005, contra Lula e em favor da dupla
Meirelles/Palocci. E não existe memória seletiva capaz de esconder os danos
causados.
Então
como agora, era dito que tais ministros teriam como tarefa garantir "uma política econômica que os
petistas chamam de 'neoliberal' mas que na verdade é apenas sensata e
equilibrada, que usa o mercado privado para ajudar o governo a atingir metas
que, sozinho, ele não conseguiu nos últimos quatro anos e nem conseguiria nos próximos
quatro, mantidas as mesmas premissas que vigoravam e foram formalmente
rejeitadas pela nova equipe econômica."
A
oposição de direita, que em geral comemorou a escolha de Levy, incorporou ao
seu "plano" o seguinte: 1) impedir o governo Dilma de aplicar o
programa vitorioso nas urnas, 2) obrigar nosso governo a aplicar ao menos
parcialmente o programa derrotado e 3) tirar vantagens eleitorais disto (a
exemplo do que busca fazer uma recente manchete de capa do Correio Braziliense:
"Trio do arrocho vai subir juros e cortar despesas".)
Parte
da esquerda subestima as consequências da escolha de Levy & Cia. E acha que
o plano resumido acima não passa de um devaneio direitista.
Pode
ser. Mas basta observar os resultados eleitorais entre 2002 e 2014 para perceber
que não estamos em condições de errar; e que um dos graves erros que não
podemos repetir é o de afastar aquela parte do eleitorado e da militância de
esquerda que não estiveram conosco no primeiro turno, mas que foram decisivos
no segundo turno.
Para
os setores do PT que percebem isto, será preciso ter muita paciência e perseverança.
Afinal,
lutamos contra a pressão da mídia, que é na sua maioria favorável ao
neoliberalismo e ao desenvolvimentismo conservador.
Lutamos
contra tucanos infiltrados em nossas fileiras (sempre é bom lembrar que Marina
não se "converteu" depois que saiu do PT).
Lutamos
contra os que acham que conciliação é não apenas uma tática eventual, mas uma
estratégia.
E,
por fim, temos que lembrar que acabamos de sair de uma dura campanha, momento
em que as pessoas defendem primeiro e perguntam depois.
Nada
disto é novo: vivemos situação similar, por exemplo, em 2003-2005. E mesmo em
agosto de 2014, parte da esquerda acreditava em vitória fácil no primeiro
turno, o que dá uma boa medida da dificuldade que alguns setores têm para
analisar a realidade é perceber nossas falhas.
Considerando
tudo isto, talvez o mais importante seja não repetir, agora, os erros cometidos
naquele momento pela parte mais crítica da esquerda, por exemplo: a
impaciência, achar que cada batalha é a última, perder de vista o cenário mais
amplo da luta de classes no Brasil e da luta entre estados no mundo.
Assim,
paciência, perseverança, didatismo e método. A disputa será longa. E o papel
decisivo será jogado pela classe trabalhadora, por sua disposição de lutar por
mais mudanças.
Segue o texto:
Merval Pereira 28.11.2014
As diversas facções em que se divide a esquerda brasileira
aliada ao governo petista estão atônitas com a chegada ao ministério do segundo
mandato de Dilma de Joaquim "mãos de tesoura" Levy, que pretende,
como anunciou ontem em linguagem diplomática, colocar ordem na bagunça em que
se encontra a economia nacional.
Num primeiro momento, correntes diversas uniram-se para tentar barrar a
nomeação, sob o argumento fantasioso de que ela ia de encontro ao
modelo econômico que fora vitorioso nas urnas.
Como se a presidente Dilma,
reeleita por estreita margem, tivesse perdido a noção de que era a grande
vencedora das eleições de outubro e, do nada, tivesse escolhido um ministro da
Fazenda para fazer tudo ao contrário do que defendia no seu primeiro mandato.
Como se o próprio Lula, que batalhou para nomear Luiz Trabuco, o
presidente do Bradesco, para o ministério da Fazenda, tivesse perdido a
sanidade da noite para o dia. O que esse pessoal não quer enxergar, e que Dilma
foi obrigada a entender, é que a vitória eleitoral do PT em outubro não
correspondeu a uma vitória política, pois forjada à base do abuso da máquina
pública e mentiras, sejam as divulgadas pela propaganda eleitoral, ou as espalhadas
em diversas formas pelo país para amedrontar os menos informados.
Da mesma forma que Collor espalhava em 1989 que Lula confiscaria a poupança dos
brasileiros para depois fazer ele mesmo o que criticava no adversário, também
hoje estamos vendo o governo Dilma anunciar "medidas impopulares" que
seriam a base do governo de seu adversário "neoliberal".
Os que assinaram o tal manifesto contra a nomeação do economista Joaquim Levy
para o ministério da Fazenda acreditam piamente que banqueiros roubam comida dos
pratos dos pobres, e se chocaram com a decisão de colocar o
Bradesco no lugar do Itaú na Fazenda, e de ter um colaborador de Arminio
Fraga em seu lugar no ministério.
Quem, ao que tudo indica, já desconfiava do que seu marqueteiro dizia era a
própria Dilma, insegura de suas próprias convicções que na prática deram
errado, e talvez por isso se enrolasse toda quando tentava explicar alguma
coisa. Provavelmente nem mesmo o próprio João Santana acreditasse no
que seus filmetes mostravam, já que ele confessadamente diz que não lida com
conceitos como verdade, mas com a percepção do cidadão.
O fato é que, acreditando ou não no que defendia, a presidente Dilma viu-se
obrigada a dar um salto triplo carpado para tentar recuperar a credibilidade de
um governo que termina seu primeiro mandato com os piores indicadores
econômicos de todos os tempos de nossa República, salvo dois outros governos,
um dos quais o do próprio Collor.
E a nova equipe econômica pontuou durante sua apresentação o que talvez seja a
chave para o entendimento do que está acontecendo: ter uma economia saudável é
bom para as famílias brasileiras, e garante a manutenção dos avanços sociais
conquistados.
O que estava sendo ameaçado com a performance dos últimos anos era justamente a
jóia da coroa petista, os programas sociais, que agora serão garantidos por uma
política econômica que os petistas chamam de "neoliberal" mas que na
verdade é apenas sensata e equilibrada, que usa o mercado privado para ajudar o
governo a atingir metas que, sózinho, ele não conseguiu nos últimos quatro anos
e nem conseguiria nos próximos quatro, mantidas as mesmas premissas que
vigoravam e foram formalmente rejeitadas pela nova equipe econômica.
Talvez constatando que espernear não levará a nada, o futuro
ex-ministro Gilberto Carvalho, que já tem até substituto dentro do próprio
PT no Palácio do Planalto, tentou ele sim dar um salto triplo carpado para
encontrar uma explicação que não deixasse mal os petistas revoltados.
Disse Carvalho que, ao contrário do que parece, é Joaquim Levy quem está
aderindo ao projeto econômico petista. Por este estranho raciocínio, o mesmo
economista que já trabalhou no primeiro governo Lula e era execrado pelos
petistas assim como outros do mesmo grupo, como Murilo Portugal e Marcos
Lisboa, teria sido chamado de volta ao governo petista não por suas virtudes
necessárias à mudança de rumos, mas por que aderiu ao projeto que está para ser
mudado.
Por essa lógica, Mantega pode perfeitamente substituir Levy no Bradesco, afinal
pensam de maneira semelhante. O que estraga a tentativa de Carvalho de fingir
que não houve mudanças de orientação econômica é o estranho caso de um ministro
nomeado para um governo de continuidade fazer parte da equipe de transição
desse mesmo governo, formalizando assim a mudança de postura.
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