(Elenco original de A Grande Família, um símbolo da classe
média brasileira. Foto: divulgação)
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Aquele vídeo em que a Marilena Chaui, intelectual que
respeito, ataca a classe média, sempre me deixou incomodada. Poxa, eu sou de
classe média! Compreendo, claro, que ela se referia, mais que à classe média,
ao pensamento médio, tacanho, mesquinho, egoísta. Ainda assim, foi como se ela
estivesse me atacando pessoalmente. Sinto de forma parecida quando criticam o
Lula e percebo que, por trás dos ataques, se esconde um enorme preconceito de
classe e de origem, por Lula ser nordestino e de família humilde. Isso me
atinge, porque, além de tudo, eu também tenho origem simples e sou nordestina.
É duro, para uma pessoa de classe média, ouvir uma
intelectual de esquerda dizer que a odeia, que a acha “uma abominação política
porque fascista, uma abominação ética porque violenta, e uma abominação
cognitiva porque ignorante” —sobretudo quando não se é nada disso. Soa
pior ainda quando vemos que tem a seu lado, no palco da palestra em questão, um
ex-presidente que se gaba (e é verdade) de ter possibilitado a ascensão dos
pobres à… classe média!
Essa crítica tão feroz à classe média, que me perdoe a
Marilena Chaui, me parece elitista, uma velha contradição da esquerda
intelectual no Brasil. Um certo esnobismo, complexo de superioridade. Me lembra
aquele personagem de Terra em Transe, de Glauber Rocha, gritando a todos
pulmões que o povo é débil mental. Não acredito que faça bem nenhum à imagem da
esquerda este tipo de postura, pelo contrário. O vídeo de Marilena Chaui virou
um clássico da direita contra a esquerda na internet, popularizado em memes e
edições grotescas.
Do ponto de vista estratégico, o ataque da filósofa petista
é um desastre. Atiçou a turba sem necessidade, ajudou a desatar a ira da classe
média sobre a esquerda (como se não bastasse a mídia…). Principalmente porque
sabemos que na hora agá, em ano eleitoral, o PT gasta milhões com
marqueteiros para atrair justamente a classe média —com doações dos
banqueiros que, aliás, ele NÃO critica. Taí, eu simplesmente não consigo
entender uma esquerda que poupa os banqueiros e detona a classe média. E
sejamos francos: se quem vai às ruas atacar a esquerda é de classe média,
também o é boa parte de quem se manifesta para defendê-la.
Auto-denominado “socialista democrático” e com sérias
chances de vencer a disputa na pátria do capitalismo, os EUA, o pré-candidato à
presidência Bernie Sanders tem tentado uma estratégia oposta, a de seduzir a
classe média para o que pretende. Porque lá o sonho americano está se
desfazendo e a principal vítima é a classe média. É a classe média
norte-americana quem está sedenta por mudança e que é capaz de enxergar que o
“outro mundo é possível” pode ser experimentado na terra de Ronald Reagan.
Bernie faz promessas diretas para a classe média, de que o modelo que propõe
vai ajudá-la a recuperar seu poder aquisitivo.
“A grande classe média norte-americana está desaparecendo”,
Sanders costuma lembrar nos comícios, apontando para o tão acalentado “american
dream”, que se esfuma diante dos olhos da nação. O sonho americano acabou?,
perguntam-se articulistas atônitos em publicações liberais e conservadoras,
confrontados com indicadores que mostram o empobrecimento da população e a
desigualdade crescente. Que dor maior seria possível, para o americano médio,
do que admitir que o sonho acabou?
Em seu discurso vitorioso na convenção em New Hampshire, Bernie novamente acenou à falida classe
média do país. “A ganância, a imprudência e o comportamento ilegal de Wall
Street levaram a nossa economia a ficar de joelhos. O povo americano socorreu
Wall Street, agora é a hora de Wall Street ajudar a classe média”. A promessa
de que haverá saúde gratuita universal (além de universidade gratuita) ajuda a
conquistar a classe média também pelo bolso, porque significará uma economia no
orçamento apertado de gente que precisa ter até três empregos para ganhar a
vida.
O discurso de Bernie Sanders mostra que a classe média pode
ser despertada para uma visão progressista do mundo, em lugar de
desprezada. Mas é preciso detectar o que ela deseja. Melhor: é preciso
convencê-la de que o que ela deseja de verdade em sua vida é algo muito mais
profundo do que um novo smartphone ou televisão de plasma. Nos EUA, a classe média
está decaindo, e por isso este interesse pelo socialismo de Sanders, pela outra
via. No Brasil, a classe média subiu pelo consumo, mas este apoio ao PT pelo
consumo se mostrou volátil, superficial, não duradouro além da eleição. Estamos
vendo isto com toda clareza neste momento.
Em vez de pensar em um discurso mais abrangente e sedutor,
no sentido de mostrar ser possível um lugar melhor para viver para a maioria
das pessoas, a esquerda brasileira repete o mesmo comportamento de Hugo Chávez
na Venezuela, espantando a classe média como um todo ao invés de tentar ganhar
pelo discurso ao menos parte significativa dela —uma pena, este foi o
grande equívoco do comandante. Desculpa, mas para mim o real inimigo nunca foi
a classe média e sim a burguesia; as classes altas; os especuladores; as
“elites” de que falava Lula; o 1%. É exatamente quem Bernie Sanders tem
atacado, com sucesso.
Se um partido fracassou em conscientizar politicamente a
classe média, não me parece justo culpá-la por sua falta de politização.
Fonte: Blog Socialista Morena
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