Editorial expressa lançamento uruguaio de uma nova direita
que compreendeu a necessidade de reconquistar os espaços culturais que perdeu.
Por Fernando López D Alesandro
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A direita moderna nasceu como reação à herança ideológica e
política da Revolução Francesa. Seu primeiro primeiro ideólogo, Burke, sentou
as bases do regimento geral que perdura até a atualidade. A universalidade de
projetos ou de objetivos é um erro, uma utopia. A igualdade e a superação das
diferenças são impossíveis, a falta de equidade, além disso, são proveitosas: o
que melhor do que a diferença para fomentar a diversidade?
No Uruguai, o teórico fundador do conservadorismo Luis Alberto de Herrera defendia:
“Enquanto as maiores temeridades igualitárias são aclamadas e valiosas e
saudáveis diferenças de classe são renegadas, cria-se uma odiosa discórdia
entre as castas”. As diferenças de classe – a pobreza e a riqueza em suma – são
“valiosas e saudáveis”, pois ajudam a manter sistemas baseados no direito à
tradição e à hierarquia. Sobre essa base, as realidades não são nem globais,
nem coletivas, são nominais, em que a particularidade de cada realidade
cultural e de cada indivíduo é a base fundamental dos processos.
A igualdade, para Herrera, apenas deve ser permitida quanto aos direitos
políticos, pois “estender a igualdade política a todos as atividades sociais
levaria ao sacrifício da independência individual e coletivas no interesse da
demagogia cega”. Manter a desigualdade ampara a liberdade, apesar de, citando
Sorel – um dos teóricos em que o fascismo se baseou – Herrera concluir que “a
liberdade não existe na história, apesar de as individualidades acreditarem
nela, vítimas da ilusão”.
O herrerismo solucionou a contradição entre sua concepção exclusivista e o
processo político afirmando o voto universal como bandeira contra o
coloradismo, mas mantendo a dura crítica à reforma social batllista e,
portanto, contra toda possibilidade de radicalizar a democracia. Hoje, a Nova
Direita em todo o mundo suavizou as arestas mais críticas do discurso.
É evidente que a direita contemporânea, por enquanto, não abandona a
democracia; parecem ter aprendido a lição com os delírios fascistas e com o
elitismo monárquico da Action Française. Não apenas se apresentam como
defensores da democracia, como sendo os promotores da vigência dos direitos
fundamentais, sem tocar na temática dos Direitos Humanos, sobre a qual existem
discrepâncias nos diversos setores conservadores.
A base doutrinária central tanto para a velha como para a nova direita é a
rejeição ao racionalismo, a aceitação do irracional, o emotivo, o visceral como
causa dos processos políticos e humanos. Assim, o nacionalismo, o simbólico, o
ideológico, a religião e, fundamentalmente, as tradições são o pilar central
das propostas conservadoras. O direito natural e os direitos civis são vistos
como entidades forçadas que se opõem ao direito da tradição, que permite e
promove a existência de dominadores e dominados.
“Para um conservador, todo o tempo passado foi igual”, escreveu uma mão genial
e anônima em algum muro da Colômbia. De fato, para os conservadores, as
mudanças não existem, tudo é permanência, a única coisa que muda são as formas,
as maneiras e os estilos. Sempre há um “mito do eterno retorno”, como ensina
uma das referência do fascismo, Mircea Elíade. E no âmbito social as
continuidades são notórias.
A Nova Direita odeia a proteção social, a solidariedade e a intervenção estatal
em qualquer forma. Desta maneira, a desregulamentação trabalhista respeita
todos os preceitos ideológicos já ditos: os indivíduos ficam à mercê de suas
próprias forças, livres, em uma competência em que os melhores terão êxito, o
que não seria somente “justo”, como “positivo” na construção social.
Algumas destas novas direitas, entretanto, são contrárias aos grandes
monopólios empresariais e financeiros e buscam criar, assim, um mundo
desregulamentado em sua mais ampla expressão imaginável. Outros são
antimonopolistas, mas manifestam um nacionalismo xenófobo que abre passagem
para uma economia fechada. Em definitiva, e esta é a chave central da proposta,
as direitas não buscam salvar o capitalismo mas, por diferentes caminhos,
querem substituí-lo por um sistema pior.
Claro que há várias nuances e fazer uma classificação exaustiva poderia custar
muitas páginas, mas o fundamental do “ser” conservador se mantém intocado há
mais de duzentos anos.
O Uruguai teve bons exemplos nos partidos tradicionais e o herrerismo é,
talvez, o pensamento conservador mais elaborado. Sua influência é longa no
tempo e suas expressões contemporâneas confirmam essa herança em suas propostas
e em seus discursos. Seu aristocratismo - “onde já se viu o filho do jardineiro
ser bacharel!”, gritou Herrera na câmara em 1915, quando se discutia a reforma
da educação-; falangismo baseado em um catolicismo ultraconservador; sua
discutida adesão à democracia em que a “Marcha Sobre Montevidéu” e o apoio ao
golpe de Estado de Gabriel Terra são provas contundentes para basear a
suspeita. Na “Revolução Francesa e América do Sul”, Herrera proclama que a
democracia é um sofisma, a república é uma “mentira”, para concluir que na
nossa região o sufrágio universal foi contraproducente.
Do ontem ideológico à direita gramsciana
As direitas europeias se recompuseram depois de uma longa crise. Iniciaram um
caminho sinuoso até 1968 e algumas das teorias e práticas acumularam forças
para serem atualmente um adversário sólido intelectual e politicamente
temíveis. Entretanto, a Nova Direita – apesar de todos os matizes – mantém a
desigualdade, a hierarquia e a tradição como bases fundamentais de sua
identidade original.
Consequentemente, suas ações políticas apoiam medidas que aprofundam tais
concepções e rechaçam o plano de qualquer proposta universalista que implique
em uma opção socializante ou solidária. Mas, no século XXI, seus limites
ideológicos se tornaram notórios.
O Dr. Luis Alberto Lacalle Pou é um exemplo excelente dos limites do
conservadorismo mais comum. Sua proposta de derrubar a lei de responsabilidade
dos empregadores e a lei das 8 horas de trabalho para trabalhadores rurais não
são outra coisa que não o ponto final da longa rota conservadora de cem anos de
herrerismo. Seu voto negativo no parlamento para a descriminalização do aborto,
contra o sistema de negociação coletiva, contra o casamento igualitário e sua
rejeição à lei de trabalho doméstico são resultado da concepção conservadora,
mas sua estratégia destoou muito da nova direita global. A direita uruguaia
começou a compreender os golpes que nem a tradição nem o discurso feito pela
positiva sintonizam com a realidade. Necessita-se de algo mais.
O filósofo francês da Nova Direita, Alain de Benoist, estudioso e admirador de
Antonio Gramsci, sentou as bases da direita gramsciana, em que a cultura como
força contra hegemônica é uma das estratégias. Assim, o papel dos intelectuais
é assimilado com o exclusivismo elitista conservador e a formação do “bloco
histórico” é integrada à direita como uma construção a realizar para sentar as
bases de uma nova sociedade conservadora.
A partir da ideologia, então, este direitista gramsciano promove a mudança
cultural com base no entendimento de que “não há revolução nem mudança possível
na ordem do poder, se as transformações provocadas no terreno político não
tiveram lugar nas mentes. Todas as grandes revoluções da história concretizaram
no plano político uma evolução feita nos espíritos. Isto é algo que o italiano
Antonio Gramsci compreendera muito bem”. Finalmente, Carlos Pinedo outro membro
desta corrente, sentencia em seu trabalho “A Estratégia Metapolítica da Nova
Direita”:
“Não há tomada do poder político, mas uma tomada prévia do poder cultural”.
Não é por acaso, nem novidade o editorial do jornal El País de 29 de outubro de
2014. Chamou atenção de muitos ver uma análise gramsciniano nas páginas da
publicação conservadora. Mas não se tratou de uma análise escolástica, nem um
aporte para a compreensão da realidade: foi o lançamento uruguaio de uma nova
direita que compreendeu a necessidade de reconquistar os espaços culturais que
perdeu, que ressignificou a luta cultural como eixo para a reconquista do
poder. O editorial “Razones para una Nueva Mayoría” (Razões para uma
Nova Maioria) é dirigido à direita uruguaia, marcando um caminho estratégico
que deveria começar a percorrer.
Para o editorialista, a razão da vitória da Frente Ampla é “a hegemonia
cultural: a geração de um relato, de uma identidade, de um dever ser, de um
universo simbólico que, todos juntos, produzem sentido comum cidadão e
asseguram os cimentos para maiorias de esquerda sólidas e duradouras”. Quase um
chamado a considerar novas formas de compreender a realidade, quando afirma que
“é preciso entender que a imensa maioria das decisões de voto em nosso país não
se definem faltando poucos meses ou semanas para as eleições. Aqui há uma
cultura política de longa duração. E está está afirmada na socialização
cultural e cidadã que legitima as opiniões de esquerda, e em particular da
Frente Ampla”. A direita, então, deve começar a fazer o mesmo.
O editorial conclui seu chamando lembrando que “as pessoas, antes de mais nada,
querem se sentir parte de um projeto comum que lhes permita sonhar e reafirmar
sua autoestima. Querem ser parte de um relato que interpreta valores coletivos
e lhes assegura certa dignidade moral. Nesta definição, pesam muitas
identidades forjadas a partir da educação e da cultural. Neste esquema, cabe
ver que papéis cumprem Luis Alberto de Herrera ou José Batlle, por exemplo, e
quais cumprem os paladinos da esquerda em nosso relato da História e em nossa
identidade cultural coletiva, para entender onde se assenta a hegemonia
politica esquerdista que se traduz em maiorias”. Conclui, finalmente, que o
futuro da direita está apoiando em “para voltar a ser maioria parlamentar, cada
um com sua marca, deverá assumir estas razões de fundo dos triunfos da Frente
Ampla”. Ou seja, não apenas a bonança econômica e social explica os 48% da
esquerda, nem o 31 mais 13 da direita. Os partidos tradicionais perderam a
hegemonia cultural e o El País faz um chamado para reconquistá-la, tal como os
gramscinianos conservadores europeus.
Desembarcou a Nova Direita em Montevidéu? O tempo se encarregará de dar a
resposta; mas sem dúvidas há segmentos do bloco conservador dispostos a lutar
neste sentido. Também há outros caminhos, mas não são muito aconselháveis.
Tradução: Daniella Cambaúva
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