Por Vladimir Safatle
Na próxima quarta-feira (10), a Comissão Nacional da Verdade
deve apresentar o relatório de seus trabalhos. Espera-se que nomes de
torturadores e assassinos sejam enfim publicados, que seus crimes sejam
fartamente descritos, a fim de que, ao menos, ganhem força processos para
terminar com a impunidade aos que cometeram crimes contra a humanidade durante
a ditadura militar.
Mas, como por ironia da história, neste exato momento, o
Brasil conhece manifestações periódicas de pessoas que saem às ruas pedindo por
um golpe militar. Não uma mobilização pelo dever de memória, mas um clamor para
a repetição da destruição do país.
Mas o que dizer destas pessoas? Estariam elas a exercer seu
direito de liberdade de expressão expondo seu descontentamento com a situação
política atual ou estariam a cometer o mais vil e torpe de todos os crimes, o
mais imperdoável, a saber, este que clama pela destruição do mínimo de
liberdade que dispomos atualmente?
Notem, quem sai à rua e levanta um cartaz pedindo "intervenção
militar" não está fazendo a mesma coisa que alguém a gritar "Fora
Dilma" ou "Fora FHC". "Fora X, Y ou Z" é algo que se
ouve em todas as partes do mundo onde há descontentamento. Significa
normalmente um pedido de impeachment, de renúncia ou a afirmação da
deslegitimação do poder.
Já quem clama por um golpe militar pede, necessariamente, a
implementação de um regime de exceção, com assassinatos sistemáticos de Estado
contra oponentes, comandado por uma casta militar que fará o que o Brasil
nomeará na quarta: a destruição física e simbólica de quem não está acostumado
com o silêncio.
Quem quer a causa quer as consequências. Por isto, pedir por
uma "intervenção militar" não é uma "opinião" política, mas
pura e simplesmente o crime por excelência.
Claro que haverá aqueles a dizer que eu deveria então
criticar os que saem às ruas e pedem, por exemplo, por "revolução"
(onde? Faz tempo que não vejo ninguém fazer isso). No entanto, uma revolução é
uma sublevação popular que dá voz ao poder instituinte. Nada a ver com um golpe
que, por sua vez, é a forma máxima do fim da política.
Por isso, quem levanta um cartaz a favor de um golpe militar
não pode estar na rua, mas deveria estar ou respondendo a processos por
incitação à forma máxima de violência ou diretamente na cadeia.
Uma sociedade que não pune quem pratica tal violência, mas
convive com os que a elogiam como se fosse algo meio pitoresco, cava sua
própria cova.
Vladimir Safatle é professor livre-docente do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP)
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